sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

OAB-SC repudia Emenda Constitucional. Comissão apresenta moção contrária.


CONGRESSO NACIONAL E OS INTERINOS DOS CARTÓRIOS

 

O Papiro Eletrônico torna público o trabalho aprovado pela Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-SC que de modo justificado repudia a proposta de emenda constitucional em trâmite no Congresso Nacional.

 

O relator do estudo, dr. Andersson Dallagnol com sua costumeira dedicação e pesquisa científica fez com que, sem ressalvas o texto fosse aprovado por unanimidade e igualmente pelo Conselho Seccional. O estudo já foi publicado e remetido para o Conselho Federal da OAB.

 

Segue a transcrição do mesmo:

 


A Inconstitucionalidade da PEC 51/2015

 

O presente estudo visa trazer a lume alguns dos fundamentos que justificaram a ratificação, por esta Comissão, da Nota de Repúdio à PEC 51/2015, emitida pela Comissão Nacional de Direito Notarial e Registral da OAB.

 

 

1.       Breve Histórico

 

A tentativa de implementar o concurso público para a outorga de delegações dos cartórios vem, pelo menos, desde o final da monarquia.

 

O Imperador Dom Pedro II (de 1831 a 1889), por meio de seu Ministro Francisco Maria Sodré Pereira, regulamentou o concurso público para notários e registradores, estabelecendo, no artigo 1º do Decreto nº 9.420, de 28/04/1885, que:

 

Art. 1º. Nenhum officio de Justiça, seja qual fôr a sua natureza e denominação, será conferido a titulo de propriedade. Seu provimento, porém, será dado, por meio de concurso, como serventia vitalicia, a quem o exerça pessoalmente. - Lei de 11 de Out. de 1827, arts. 1º e 2.º”

 

 O art. 2º do Dec. nº 9.420/1885 esclarece o que são considerados “officios vitalicios”, in verbis:

 

“Art. 2º São considerados officios vitalicios:

1º Tabellião de notas. - Ord. Liv. 1º Tits. 78 e 80.

      (...)

11. Official do Registro geral das hypothecas. - Lei n. 1237 de 24 de Set. de 1864, art. 7º § 3º - Dec. n. 3453 de 26 de Abril de 1865, art. 7º

(...)”

 

Por sua vez, a “Princeza Imperial Regente” (Princesa Isabel), por meio do Decreto nº 3322, de 14 de julho de 1887, ratificou a necessidade de concurso público para a atividade notarial e registral, estabelecendo que:

 

“Art. 1º Serão providos nas Provincias pelos respectivos Presidentes, mediante concurso, segundo a legislação em vigor mas restringidos os prazos á metade, os officios:

 

§ 1º De Tabelliães do publico, judicial e notas, Escrivão de orphãos, dos Feitos da Fazenda, do Jury, execuções criminaes e da Provedoria;

 

§ 2º De officiaes do registro de hypothecas nos logares em que por decreto for creada a serventia privativa, segundo a respectiva legislação; (...)”

 

A vitaliciedade dos titulares de Ofícios de Justiça também foi incluída na Constituição Federal de 1946, in verbis:

 

“Art 187 - São vitalícios somente os magistrados, os Ministros do Tribunal de Contas, titulares de Ofício de Justiça e os professores catedráticos.”

 

Aproximando-se dos dias atuais, a Constituição Federal de 1967 igualmente exigia a “aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos” para assunção a qualquer cargo público (art. 95, § 1°), aqui incluída a atividade notarial e registral, sendo que a EC nº 22, de 29 de junho de 1982, acrescentou o art. 208, que efetivou os interinos que contassem com 5 (cinco) anos de exercício na mesma serventia até 31/12/1983, in verbis:

 

Art. 208 - Fica assegurada aos substitutos das serventias extrajudiciais e do foro judicial, na vacância, a efetivação, no cargo de titular, desde que, investidos na forma da lei, contem ou venham a contar cinco anos de exercício, nessa condição e na mesma serventia, até 31 de dezembro de 1983.

 

Foi nesse contexto jurídico que chegamos à Constituição Federal de 1988, que, mais uma vez, estabeleceu a necessidade de concurso público para o ingresso na atividade notarial e registral, conforme o disposto no § 3º do art. 236, in verbis:

 


“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

(...)

§ 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”

 

Porém, essa mesma Constituição Federal, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, mais uma vez ratificou o período pretérito, estabelecendo que:

 

“Art. 32. O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores.”

 

Finalmente, em 1994 foi editada da Lei nº 8.935, que regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal e uniformizou os requisitos para ingresso na atividade notarial e registral, in verbis:

 

“Art. 14. A delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos:

I - habilitação em concurso público de provas e títulos;

II - nacionalidade brasileira;

III - capacidade civil;

IV - quitação com as obrigações eleitorais e militares;

V - diploma de bacharel em direito;

VI - verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.

 

Art. 15. Os concursos serão realizados pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador.

§ 1º O concurso será aberto com a publicação de edital, dele constando os critérios de desempate.

§ 2º Ao concurso público poderão concorrer candidatos não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro.

 

Art. 16. As vagas serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por meio de remoção, mediante concurso de títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento inicial ou de remoção, por mais de seis meses.

Parágrafo único. Para estabelecer o critério do preenchimento, tomar-se-á por base a data de vacância da titularidade ou, quando vagas na mesma data, aquela da criação do serviço.

 

Art. 17. Ao concurso de remoção somente serão admitidos titulares que exerçam a atividade por mais de dois anos.

 

Art. 18. A legislação estadual disporá sobre as normas e os critérios para o concurso de remoção.

 

Art. 19. Os candidatos serão declarados habilitados na rigorosa ordem de classificação no concurso.”

 

Observe-se que a Lei nº 8.935/94 apenas trouxe uma norma geral sobre o tema de modo a padronizar o ingresso e o exercício da atividade a nível nacional, deixando claro, embora não precisasse, que apenas “o notário e o oficial de registro, legalmente nomeados até 5 de outubro de 1988, detêm a delegação constitucional” (art. 47). A contrario sensu, os nomeados sem concurso público após esta data não detêm delegação constitucional, motivo pelo qual são qualificados como interinos.

 

Contudo, nos dias atuais – mais de 27 anos da CF/88 e mais de 100 anos da legislação que já buscava exigir a realização de concurso público para ingresso na atividade notarial e registral –, voltamos a tratar do tema com as famigeradas PEC 471/2005 e PEC 51/2015 e o PLC 80/2015.

 

 

2.       Dos Fundamentos

 

Assim como a PEC 471/05 – conhecida como PEC dos Cartórios, PEC do Trem da Alegria – a PEC 51/2015 é mais uma imoral tentativa de efetivar os interinos de cartórios sem que tenham realizado concurso público para tal fim. Eis o teor de referida PEC 51/2015, que busca acrescentar o art. 32-A ao Ato das Disposições Constitucional Transitórias:

 

“Art 1º. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte art. 32-A:

 

‘Art. 32-A. As delegações de atividades notariais e de registro decorrentes de atos dos Poderes Executivo ou Judiciário feitas em observância às normas estaduais vigentes à época da delegação e que não tenham sido tornadas sem efeito em caráter definitivo ficam convalidadas, independentemente do disposto no art. 236 da Constituição Federal, quando outorgadas:

I – no período compreendido entre a promulgação da Constituição Federal e o início da vigência da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994;

II – após o início da vigência da Lei nº. 8.935, de 18 de novembro de 1994, desde que o titular da outorga estivesse há cinco anos ininterruptos no exercício da delegação na data da decisão que tenha determinado a desconstituição do ato delegatório ou declarado a vacância do serviço notarial ou de registro.’[1]

 

Art. 2º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.”

 

Entre os argumentos fantasiosos daqueles que defendem a aprovação da PEC 51/2015, destaca-se a demagógica defesa das pequenas serventias, que supostamente seriam fechadas, em suposto prejuízo da sociedade, pois, repita-se o supostamente, nenhum candidato quer essas serventias.

 

Aqueles que assim se manifestam, se realmente acreditam nesta tese, desconhecem completamente o ordenamento jurídico pátrio. Ainda que algum cartório não seja provido num concurso público específico, o mesmo deverá ser levado a novo concurso público e, enquanto este novo concurso não encerrar, permanecerá funcionando normalmente.

 

O fechamento de um cartório somente ocorrerá se houver “absoluta impossibilidade” de se prover a sua titularidade (art. 44 da Lei nº 8.935/94), situação na qual o Poder Judiciário deve solicitar à respectiva Assembleia Legislativa a aprovação de uma lei autorizando a extinção de referida serventia extrajudicial. Ou seja, a extinção somente será realizada se o Poder Judiciário e o próprio Poder Legislativo entenderem que esta é a melhor solução para o caso concreto.

 

Oportuno acrescentar, nesse passo, que a eventual extinção de algum cartório não resultará em prejuízo para a população, seja porque o cartório eventualmente extinto será anexado a outro, que manterá a prestação dos serviços à população, seja porque nenhuma cidade poderá ficar sem um cartório de registro civil de pessoas naturais.

 

Sobre o tema, verifica-se o teor do art. 44 da Lei nº 8.935/94:

 

“Art. 44. Verificada a absoluta impossibilidade de se prover, através de concurso público, a titularidade de serviço notarial ou de registro, por desinteresse ou inexistência de candidatos, o juízo competente proporá à autoridade competente a extinção do serviço e a anexação de suas atribuições ao serviço da mesma natureza mais próximo ou àquele localizado na sede do respectivo Município ou de Município contíguo.

§ 1º (Vetado).

§ 2º Em cada sede municipal haverá no mínimo um registrador civil das pessoas naturais.

§ 3º Nos municípios de significativa extensão territorial, a juízo do respectivo Estado, cada sede distrital disporá no mínimo de um registrador civil das pessoas naturais.”

 

Portanto, ainda que alguma serventia notarial ou registral fosse extinta, os interesses da população local estariam resguardados, pois a extinção – de iniciativa do Poder Judiciário e referendada pelo Poder Legislativo – decorreria, como já dito, da absoluta impossibilidade de provê-la, de modo a anexá-la a outra com o único intuito de garantir um mínimo de qualidade do serviço prestado.

 

Colocadas essas premissas – que por si só já seriam suficientes para afastar a legitimidade da PEC 51/2015 – por amor ao debate passaremos a analisar os aspectos constitucionais que impedem a sua aprovação.

 

A alegação de inexistência de lei regulamentando o concurso público no período compreendido entre a Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 8.935/94 não autoriza a efetivação dos interinos que ingressaram na atividade neste período, muito menos no período posterior à referida lei.

 

O Supremo Tribunal Federal, em decisão plenária, já decidiu que o § 3º do art. 236 da Constituição Federal é norma autoaplicável, não necessitando de regulamentação para ser eficaz.

 

Por sua vez, na mesma decisão, o STF também afastou a aplicação do prazo decadencial estabelecido pelo art. 54 da Lei nº 9.784/99, por dois motivos basilares: 1º) a situação de inconstitucionalidade não pode ser amparada pelo decurso do tempo; e, 2º) as “leis de ocasião” não legitimam a aplicação do princípio da proteção da confiança.

 

Eis o teor do acórdão do Supremo Tribunal Federal:

 

“MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INGRESSO. SUBSTITUTO EFETIVADO COMO TITULAR DE SERVENTIA APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA. ARTIGO 236, § 3º, DA CRFB/88. NORMA AUTOAPLICÁVEL. DECADÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. OFENSA DIRETA À CARTA MAGNA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. O postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade ao princípio constitucional da igualdade (CRFB/88, art. 5º, caput), vedando-se a prática intolerável do Poder Público conceder privilégios a alguns, ou de dispensar tratamento discriminatório e arbitrário a outros. Precedentes: ADI 3978, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe 11.12.2009; ADI 363, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 03.05.1996. 2. O litisconsórcio ulterior, sob a modalidade de assistência qualificada, após o deferimento da medida liminar, fere os princípios do Juiz Natural e da livre distribuição, insculpidos nos incisos XXXVII, LII do art. 5º da Constituição da República. Precedentes do Plenário: MS 24.569 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 26.082005; MS 24.414, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 21.11.2003. 3. A delegação registral ou notarial, para legitimar-se constitucionalmente, pressupõe a indispensável aprovação em concurso público de provas e títulos, por tratar-se de regra constitucional que decorre do texto fundado no impositivo art. 236, § 3º, da Constituição da República, o qual, indubitavelmente, constitui-se norma de eficácia plena, independente, portanto, da edição de qualquer lei para sua aplicação. Precedentes: RE 229.884 AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 05.08.2005; ADI 417, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 05.5.1998; ADI 126, Rel. Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, DJ 05.6.1992. 4. In casu, a situação de flagrante inconstitucionalidade não pode ser amparada em razão do decurso do tempo ou da existência de leis locais que, supostamente, agasalham a pretensão de perpetuação do ilícito. 5. A inconstitucionalidade prima facie evidente impede que se consolide o ato administrativo acoimado desse gravoso vício em função da decadência. Precedentes: MS 28.371 AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe 27.02.2013; MS 28.273 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 21.02.2013; MS 28.279, Relatora Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe 29.04.2011. 6. Consectariamente, a edição de leis de ocasião para a preservação de situações notoriamente inconstitucionais, ainda que subsistam por longo período de tempo, não ostentam o caráter de base da confiança a legitimar a incidência do princípio da proteção da confiança e, muito menos, terão o condão de restringir o poder da Administração de rever seus atos. 7. A redução da eficácia normativa do texto constitucional, ínsita na aplicação do diploma legal, e a consequente superação do vício pelo decurso do prazo decadencial, permitindo, por via reflexa, o ingresso na atividade notarial e registral sem a prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, traduz-se na perpetuação de ato manifestamente inconstitucional, mercê de sinalizar a possibilidade juridicamente impensável de normas infraconstitucionais normatizarem mandamentos constitucionais autônomos, autoaplicáveis. 8. O desrespeito à imposição constitucional da necessidade de concurso público de provas e títulos para ingresso da carreira notarial, além de gerar os claros efeitos advindos da consequente nulidade do ato (CRFB/88, art. 37, II e §2º, c/c art. 236, §3º), fere frontalmente a Constituição da República de 1988, restando a efetivação na titularidade dos cartórios por outros meios um ato desprezível sob os ângulos constitucional e moral. 9. Ordem denegada.” (MS 26860, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 22-09-2014 PUBLIC 23-09-2014)

 

No Brasil de hoje não há mais espaço para tais privilégios, que são decorrentes de um apadrinhamento prejudicial ao interesse público. O exercício da delegação de cartório extrajudicial na qualidade de interino, por definição, é de natureza precária e provisória, devendo este permanecer à frente do cartório apenas pelo tempo necessário à realização do pertinente concurso público. Os cartórios não podem ser entregues a ninguém por meio da criação de uma espécie de “usucapião do serviço público”.

 

Deste modo, se algum Estado da Federação quisesse prover as suas serventias extrajudiciais – antes ou depois da Lei nº 8.935/94 – deveria tê-lo feito por meio de concurso. Jamais poderia efetivar um interino sem a realização de concurso ou, pior, tentar dar ar de legalidade por meio das famigeradas permutas, que ferem de morte os princípios da proteção da confiança e da boa-fé, que o cidadão deposita no Estado (mas esta é outra tentativa de burla à regra do concurso público que merece um estudo à parte).

 

Voltando aos aspectos constitucionais da PEC 51/2015, irmã siamesa da PEC 471/2005 (PEC do Trem da Alegria), cumpre salientar que as poucas vozes jurídicas que defendem a constitucionalidade da PEC 51/2015, o fazem sob a argumentação de que a previsão de concurso público para a atividade notarial e registral não é cláusula pétrea e, portanto, poderia ser alterada pelo poder constituinte derivado reformador, no que estão manifestamente enganadas.

 

A regra do concurso, uma vez estabelecida pelo poder constituinte originário, transforma-se em cláusula pétrea na medida em que decorre da aplicação de princípios constitucionais imutáveis.

 

A Constituição Federal de 1988 – também denominada Constituição Cidadã – objetivou garantir a moralidade pública, a transparência, a eficiência, a impessoalidade e a isonomia entre todos os brasileiros, ao permitir que qualquer cidadão possa se inscrever e participar de um concurso público. A Constituição objetivou, portanto, outorgar a delegação dos cartórios àqueles que, durante um concurso público, se mostrassem mais aptos e preparados para o exercício das respectivas atividades

 

Nesse passo, interessante passagem de Tércio Sampaio Ferraz Jr. em artigo publicado na Revista de Direito Público, n. 76, São Paulo: 1985, pp. 67-69[2], trata da eficácia das futuras normas da CF/88, que viessem a veicular princípios e finalidades do poder constituinte originário, in verbis:

 

“Distinguimos, nesse sentido, entre três funções eficaciais: a função de bloqueio, a função de programa e a função de resguardo. De um modo geral, os preceitos constitucionais que estatuam princípios e finalidades, ainda que não sejam positivamente consagrados na legislação ou nas normas de administração ou nas decisões judiciais, impedem que tanto legislação quanto administração ou justiça, disponham de forma contrária ao que eles propõem. Esta função eficacial negativa resulta numa espécie de bloqueio para a atividade do poder público que, não podendo ser obrigado a expedir normas que tornem efetivos os princípios e as finalidades, não pode, ao menos, contrariá-los. Para esta função de bloqueio nossa proposta é de que, nas disposições gerais conste um dispositivo que estabeleça claramente esta função, conferíndo-se a eventuais prejudicados o direito de exigir, perante o Judiciário, a declaração de inconstitucionalidade de quaisquer atos normativos soberanos que venham a contrariar os princípios e finalidades acolhidos pelos preceitos constitucionais.”

 

Em que pese o texto seja anterior à Constituição Federal de 1988, seus ensinamentos caem como uma luva ao caso em tela, na medida em que a regra do concurso público, disciplinada no artigo 236, § 3º, da CF/88, decorre de princípios constitucionais que não podem ser contrariados. A mitigação desses princípios macularia a ordem constitucional vigente.

 

Além do mais, oportuno lembrar que as serventias extrajudiciais têm se tornado uma longa manus do Poder Judiciário na prestação da jurisdição voluntária, conforme se verifica pela possibilidade de realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual pela via administrativa (Lei 11.441/2007), com a possibilidade de usucapião extrajudicial e da conciliação e mediação extrajudiciais (novo CPC, Lei nº 13.105/2015), o que pressupõe a intervenção de um agente independente, que não sofra influência do poder político, econômico ou de grupos de pressão, motivo pelo qual – se antes já era importante – hoje é inexorável a aplicação do princípio da imparcialidade aos agente delegados, o que somente é alcançado por meio de concurso público, situação na qual o delegatário não deve favores a ninguém, podendo atuar de acordo com o seu livre convencimento, sempre amparado na lei e na Constituição Federal.

 

Com efeito, verifica-se que a inconstitucionalidade da PEC 51/2015 é daquelas que podem ser classificadas como inconstitucionalidade “enlouquecida”, “desvairada”, tamanha é a ofensa aos preceitos constitucionais.

 

 

3.       Da Conclusão

 

Ante o exposto, e levando-se em consideração a evidente inconstitucionalidade da PEC 51/2015, que afronta princípios basilares do Estado Democrático de Direito, a Comissão de Direito Notarial e de Registros Públicos da OAB/SC ratificou a Nota de Repúdio à PEC 51/2015, emitida pela Comissão Nacional de Direito Notarial e Registral da OAB.

 

Florianópolis (SC), 15 de dezembro de 2015.”

 

Por razões que o próprio trabalho justifica o Papiro Eletrônico recomenda a ampla divulgação e que em coro seja pedido o arquivamento do referido projeto.
 

Roberto J. Pugliese
presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos OAB-SC
Consultor da Comissão de Direito Notarial e Registrária do Conselho Federal da OAB.
Autor de Direito Notarial Brasileiro, Leud, 1987.




[1] O inciso II do art. 32-A (proposto) da PEC 51/2015 foi objeto de pedido de supressão pela Emenda Supressiva nº 1.
[2] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Constituinte – regras para a eficácia constitucional. Site: http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/82%29, acessado em 14/12/2015.

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