Memória nº 124.
Advocacia no Vale do Ribeira.
Teve
um tempo que deu assistência ao Sindicado Rural de Sete Barras. Nessa época cada
15 dias saía de Itanhaém e seguia para o sindicato geralmente às segundas
feiras pela manhã bem cedinho. Dado o
trânsito intenso da Rodovia Regis Bitencourt, àquela época pista única, regularmente
em Juquiá saía da Br116 e por rodovia estadual seguia para o sindicato.Naquele
tempo a estrada não era pavimentada mas assim mesmo compensava sair da
movimentada rodovia federal.
Atendia
no período da manhã e a tarde ia ao fórum, na cidade de Registro, sede da
Comarca. Após, seguia para Cananéia para atender clientes e acompanhar os
diversos processos judiciais em andamento.
As
vezes retornava para Itanhaem na terça feira à noite, outras, na quarta, dependendo da
agenda. Durante bom tempo fez
regularmente esse trajeto. Também nesse tempo prestava serviço à Mitra
Diocesana de Registro, com atendimento nas diversas paróquias. Ora com demanda
em Miracatu, ora em Iguape, ora em Itariri, Eldorado... Rodava sempre pelos
foros do Vale do Ribeira.
Certa
vez representando a Diocese de Registro ingressou com a ação possessória junto
ao foro de Miracatu, onde pleiteava concessão liminar contra advogado que
invadira um lote à beira do rio São Lourenço pertencente à igreja. O magistrado
negou a liminar de plano e designou audiência de justificação, que se deu uns
trinta dias após com a oitiva do Bispo Diocesano, do Requerido e de algumas testemunhas. A audiência teve
início por volta das 13 horas ou um pouco mais e às 18 horas foi suspensa por
meia hora. Depois seguiu pela noite à dentro, encerrando-se os trabalhos já no
início da madrugada, com a concessão da liminar de reintegração de posse.
Recorda-se que Don Apparecido José Dias ficou impressionado com as formalidades
e com o cuidado do magistrado em ouvir atentamente todos convocados. Ficou
admirado com a demora da sessão.
Merece
destaque que o magistrado da Comarca de Miracatu, de origem japonesa teve
cuidado dobrado e atenção detalhada, pois a outra parte era advogado militante
na referida Comarca e igualmente tinha origem japonesa. (!!! )
Ao
tempo que residiu em Cananéia a Ilha Comprida pertencia parte ao município de
Iguape, e desde às Pedrinhas até a extremidade sul, ao município de Cananéia,então
comarca de Jacupiranga.
Contratado
por um casal de velhinhos, naturais da boca
da praia, junto ao mar grosso, na
Ilha Comprida, Lourenço ingressara com ação possessória, pois a empresa
loteadora que fizera um projeto de loteamento abrangendo desde o porto das
balsas até o boqueirão, atingia a posse trintenária do casal e estava ameaçando
expulsá-los de modo violento.
Num
lance jurídico oportuno João Leandro e sua mulher obtiveram ordem liminar de
manutenção de posse e a empresa ré tentava derrubar a decisão e não estava
conseguindo, de modo a ter que aceitar a presença dos velhinhos cuja moradia
importunava as vendas dos lotes situados no aludido projeto imobiliário.
Talvez
desesperados ou não acreditando na fama de Lourenço conhecido pela coragem e
honestidade, bem como por defender os mais frágeis da pirâmide social local,
diretores da empresa ré mandaram um negociador tratar com Lourenço uma forma de
se livrarem o empecilho, ou seja, de João Leandro e sua mulher...
Era
sábado e terminará de almoçar quando o pretenso negociador da empresa o
procurou. Sem motivo para dar atenção especial
ao representante da empresa que, de certo modo, estava o incomodando fora do
horário comercial e em sua casa, não o convidou para entrar, conversando no
portão social da residência.
Lourenço
no jardim e o preposto da empresa na calçada. Iniciaram a conversa separados pelo
portão. Portão fechado e conversa sem qualquer intimidade.
Conversa
vai, conversa vem, o preposto num rompante petulante propôs que lhe entregaria
alguns lotes naquele loteamento onde havia o conflito possessório desde que
Lourenço facilitasse para empresa... Que permitisse livrarem-se do casal de
caiçaras.
Nesse
instante, por coincidência do destino, seu filho, Lourenço Jr, com três ou
quatro anos de idade, num velocípede passou por perto fazendo barulho e
chamando atenção de Lourenço que ficou indignado em receber a proposta de
subornado em sua casa e na frente de seu filho, que mesmo sem entender o que se
passava, tornava-se testemunha.
Lourenço,
pai e exemplo para a vida da criança sendo abordado para ação imoral, dentro de
sua casa, na frente de seu filho, o fez perturbado e bastante bravo. Lourenço
não teve dúvida. Sem medir o timbre e a altura das palavras, com firmeza
bradou:
-
Senhor: não vou mandar que saia da minha casa porque você já está na rua, porém
suma daqui e diga para o seu patrão que não preciso de nenhum lote da empresa e
não vou esmorecer. Vou lutar com todo meu conhecimento contra a empresa... Saia
e não volte nunca mais.
O
fato se deu por volta de 1982 talvez. Assim,
o tempo apagou o nome do preposto da empresa, mas não a cena que ainda tem na
memória: O fulano pedindo calma e saindo rapidamente em direção ao seu
automóvel estacionado do outro lado da Estrada dos Argolões.
A
ação prosseguiu e diante das dificuldades impostas à empresa que estava com
problemas para implantar o loteamento e promover vendas em razão da demanda, foi
buscar celebrar um acordo, que em audiência,
perante a autoridade judiciária, foi celebrado com grandes vantagens para o
caiçara e elevados honorários para seu patrono. O caiçara continuou residindo
na sua posse, então reconhecida e documentada até o final de sua vida, cujo
óbito se deu há menos de cinco anos. Aliás, pelo acordo, a empresa que já
dispunha do domínio da área, outorgou a escritura de propriedade ao casal que
se tornou proprietário do imóvel.
Não
faltam histórias para que Lourenço exponha de suas experiências no Vale do
Ribeira. Em especial em Cananéia são muitas as histórias de sua condição de
advogado. São incontáveis as lembranças e até vale salientar a saudades de
tempos idos que não retornam.
Roberto J. Pugliese
cidadão
cananeense
autor
de Direito das Coisas, Leud, 2005.
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